quinta-feira, 29 de maio de 2008

Literatura

Toda a gente gostava de escrever um livro ou já escreveu. 

Não é preciso vocação ou sequer saber escrever português. 

Não. O que eu queria era entrar num livro. 

O que eu queria era falar com o meu autor. Perguntar-lhe porque é que tem de ser assim e não de outra forma. Perguntar-lhe porque é que escolheu as personagens que tenho em meu redor e porque é que não sou eu a personagem principal. E os cenários? São uma desgraça. 
Mais! Desconfio que ele sofre de uma perturbação mental grave com tendência para a comédia e para o drama! No fundo, no fundo o que eu queria era ter uma conversa com ele. Não. Mesmo lá no fundo, o que eu queria era enchê-lo de porrada. 

Toda a gente escreve um livro. Eu só queria reescrever o meu.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Alienoespertos

Gostava de ser como eles. Decidiram que não viam televisão e pronto.
Chamem-lhes distraídos, pseudo-intelectuais, conscientes, inteligentes, alienados ou egoístas. Não interessa. O que me interessava era conseguir esquecer a existência desse aparelho. Esquecia as desgraças que passam nas notícias e a triste sociedade vertida em todos os programas de televisão.

Esquecia e era um alívio.
Esquecia as tristezas e as desgraças mas elas aconteceriam de qualquer maneira.
Hum... poderia lê-las. Mas não têm tanto impacto, pois não? Não incomoda tanto, não é palpável, não têm cara.
Deve ser por isso que vou vendo [pouca] televisão.

domingo, 25 de maio de 2008

Abre-olhos

Há sempre alguém que nos lembra 'daquele' projecto que já estava esquecido.
Ficamos sempre contentes com esse alguém. Porque se lembrou, porque nos lembrou, porque nos diz que afinal há muitas outras coisas que queremos e podemos fazer. Diz-nos que a vida não é só esta azáfama diária que nos leva ao dia seguinte. Impele-nos a agir e a tentar mais, a pensar que isto não chega e a querer mais.
E a única coisa que esse alguém fez foi formular uma simples pergunta cuja resposta é sempre um ahh esbugalhado.

sábado, 24 de maio de 2008

À medida que o tempo passa

Do nada nasce a vontade de dizer e a força para fazer. Foi do nada que surgiu a vontade de ser e foi assim do nada que passei a querer tudo.
Será que a cada dia há uma conquista? Ou será que progressivamente nos contentamos com menos?

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Analfabeta

A minha mão traiu-me. 
Apanhou-me a olhar para o lado esquerdo e traiu-me.
Esqueceu-se que não sabe ler e assinou o contrato. 
Assim que olhei para o lado direito contraí-me, arrepiei-me e fiquei roxa de raiva. No contrato lia-se em letras gordas: NÃO PODES FALHAR. 
Nem nas letras pequenas a mensagem é subliminar. 

Assinei um contrato sem assinar e agora sinto toda a gente a exigir o seu cumprimento e a examinar cada cláusula. 

*Fuck Off!*

terça-feira, 20 de maio de 2008

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Curioso

Há a constante necessidade de parecer diferente, de nos distanciarmos dos outros [mas nunca somos piores, tem graça] de vestir e falar de forma diferente.

Não será essa necessidade a revelação de que somos todos estupidamente iguais?

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Deveres e direitos

Estão familiarizados com aquelas perguntas que fazem porque sentem que devem fazer mas que, na realidade, não queriam mesmo fazer? 

A essas perguntas eu prefiro não responder.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Num ápice

A noite estava silenciosa, pesada. Assim de repente até a achei obesa.
A cama estava grande. Assim de repente, pareceu-me ter 5 metros de largura.
Ao longe ouvia as vozes que, de repente, pareciam estar ao meu lado mas de um momento para o outro [assim de repente] ficaram a oceanos de distância.
Os barulhos da noite incomodavam-me. Assim de repente, acho que todo e qualquer barulho me irritava.
Sentia-me sozinha e assustada. Pensei que se de repente alguém batesse à porta, seria tão de repente que eu não daria por nada.
Lembro-me de ter pensado que sentia mais do que os outros. Lembro-me de sentir que qualquer sopro era para mim um tufão. Lembro-me de me fechar em mim mesma e de, de repente, sentir-me melhor.

E é assim que, de repente, se diz tanto que tanto só diz a uma pessoa. A mim.

domingo, 11 de maio de 2008

Bola de neve

O objectivo é pensar que posso. 
Se pensar que posso não desanimo. 
Se não desanimo continuo a poder. 
Se continuo a poder, continuo a não desanimar. 
Continuo a poder e a não desanimar por isso fico contente. 
Fico contente porque estou animada e porque sei que posso.

sábado, 10 de maio de 2008

Meteorologia antropológica

O sol teima a aparecer entre as nuvens. Vem e é constantemente empurrado para onde não o conseguimos ver.
Ainda bem. Como em muitas outras coisas na vida, só gosto dele quando aparece de vez em quando, quando não chateia, quando não me deixa desconfortável.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Noções

Acabo o dia e penso nas pessoas com quem me cruzei.
Lembro-me que afecto e que as pessoas que se cruzaram comigo afectam-me.
Lembro-me que não dei o afecto que queria.
Cada um tem a sua importância e todos são importantes. 
E eu dei o meu melhor.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Ser e estar

Só nos damos a conhecer quando estamos tão calados que sentimos a ausência dos outros e, por isso, limitamo-nos a ser. 
Sem artífices, sem máscaras, sem gestos planeados, sem intenções, sem vontades ou desesperos, sem fingir ser. 
Conseguir presenciar tal estado de graça é um regalo. 
Admirar alguém que se sente sozinho é um espectáculo maravilhoso. Pode ter um olhar profundo ou estar a tirar macacos do nariz mas vê-lo(a) simplesmente a ser é extraordinário.

domingo, 4 de maio de 2008

Contingente

Na minha próxima vida vou começar a tocar violino aos 4 anos.
Vou ser um menino de cabelo ruivo cujos olhos castanhos se iluminam sempre que vê e toca o seu violino. 
Na minha próxima vida vou amar tudo e vou intercalar piano quando estiver cansado do som do violino. 

Vou contentar-me com o que sou, com o que toco, com o que vejo e com o que dou. Vou viver no masculino e tentar perceber o feminino. 

Ou não vou ser nada disto. Ou não existe "próxima vida". 

Uma coisa é certa: nesta vida gostava de ter esta próxima vida.

Exclusividade individual

Todos temos "aquele" sítio, o nosso refúgio.

Quando lá estamos nada mais interessa. 

Pensamos em nós e para nós. 

Resolvemos, decidimos ou deixamos tudo em aberto mas é lá que o fazemos.

Pergunto-me sempre como serão os sítios das pessoas que conheço. Pergunto-me sempre se, para eles, "o sítio" terá assim tanta importância e como é que tornaram aquele sítio no seu sítio.

No meu sítio, penso nos seus sítios.

sábado, 3 de maio de 2008

(51) Sinto-me

Dentro de uma concha.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Recuei no tempo

Os homens são como os pêlos.
Custam a desaparecer. 
Temos de sofrer muito mas quando saem é um alívio. 

Hoje já não penso assim. 

Não sei se é bom ou mau mas detesto pêlos.

Não-chatices

Não-falar para não-ter-razão, para não-irritar, não-chatear e não-ser-mete-nojo-insensível-desmancha-prazeres.

Isso seria demasiado chato.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Outro Dia

Não finjas. 
Sabes que não vale a pena porque eu não te vejo, sinto-te. 
Sinto e não há nada que eu possa fazer. Por isso sangro.

Sangro sorridente para não sentires que sangro.

Sangro como quem não quer a coisa porque assim não sangras mais só porque eu sangro contigo. 
Sangramos os dois mas hoje não. Hoje vamos estancar a hemorragia.

Amanhã somos obrigados a sangrar mais um pouco. Mas amanhã é outro dia.

Escapadela

Fujo quando quero e para onde quero.
Fujo com quem quero porque só quero fugir comigo.

Corro em direcção à multidão para fugir das pessoas, saltito entre conformados e conformo-me. Sinto-me bem porque fujo quando quero e sinto-me bem por querer fugir. Fujo e continuo com todos à minha volta porque preciso de todos e porque [por mais estranho que pareça] todos parecem precisar de mim.